Saí de casa sem rumo e com muita raiva. Corri as primeiras quadras e só parei quando percebi que não tinha ninguém atrás de mim. Eu nunca tinha feito isso antes e talvez tenha demorado até demais para explodir.
Mais cedo naquele dia, levei um amigo do colégio para fazer um trabalho em casa. A Tia me olhou estranho.
-Eu sei, Tia. Eu sei! – disse sem muita paciência.
Meu pai não iria gostar. Era isso que ela disse com os olhos. Desde que me entendo por gente, ele nunca deixou que eu levasse colegas em casas, na nossa casa não tinha festas, não tinha visitas além de um enfermeiro e médico que cuidavam de minha mãe. Na verdade meu pai não gostou, ele ficou irado. Nunca o tinha visto daquele jeito antes e talvez tenha sido a primeira vez que gritou comigo.
Não me lembro de muita coisa, mas lembro muito bem quando eu levantei a mão contra ele. Antecipando meu golpe ele me segurou.
-Desculpa, Marcelo. Você pode dar licença pra gente. Desculpa mesmo.
Meu amigo se foi e a Tia veio intervir.
-Ô, Tia! Não vem não. – gritei sem pensar.
– Filho, eu já te falei sobre isso. Custava seguir as regras?
-Essa é a regra mais estúpida que você inventou. Como assim? Não posso ter as pessoas aqui em casa? Qual o problema? – eu continuava gritando.
– Você sabe qual o problema e sabe que não deveria estar gritando.
– Eu não sei! Você nunca me fala nada. Eu não sou mais criança. Não tem como você me subornar com DOCE! – eu estava cada vez mais descontrolado.
Peguei um ônibus. O primeiro que passou e desci perto de um dos meus lugares favoritos. Eu aprendi a ir sozinho no parque com o PP. Ele era filho de uma Tia, mais velho do que eu e que foi meu tutor em várias disciplinas do colégio.
-Ah, não! Olha só o filhinho do papai andando sozinho a noite no parque.
Era o PP. Fiquei aliviado, mas não consegui dizer muita coisa.
– Ô, moleque. Você tá bem? Não desmaia não, cara. Fala alguma coisa.
– Eu briguei com meu pai. – chorei com uma criança.
PP me levou para a casa dele. Um sobrado simples que ficava não muito longe dali. No caminho conversamos sobre como eu estava me saindo no colégio e com as meninas. Relembramos o tempo em que nós convivemos.
– Que rapaz lindo você virou!
A Tia, mãe do PP, era doce e sorridente. Eu gostava dela, mas meu pai não deixava nenhuma Tia lá em casa por muito tempo. Eu as continuava chamando de Tia, porque era difícil lembrar os nomes.
– Tia, eu briguei com o meu pai.Eu não aguento mais aquele tanto de regra, aquele tanto de segredo.
A Tia me olhou com pena. Ela sempre me olhava assim. O PP desviava olhar de mim. Eu precisava ir embora, mas ao mesmo tempo não queria ir. Resolvi fazer algo que não fazia há muito tempo:
– Tia, você sabe o que aconteceu com a minha mãe?